Um Natal com tradição


Este ano, proponho vivermos esta quadra com mais tradição, incluindo o presépio cheio de figuras, sem esquecer o anjinho e o pastor com as ovelhas. Tudo isto porque acredito ser um caminho, uma força contrária ao pessimismo dominante, que teima em abafar as esperanças das pessoas.
Nestes últimos anos, temos assistido a um envergonhar do humanismo, valorizando-se um cool de modismos tecnológicos e máscaras narcísicas.
Na realidade, fartei-me há muito dos brinquedos fúteis que alienam a inteligência das nossas crianças e dos nossos jovens, atirando-os para a solidão ou fechando-os num mundo de fantasia duvidosa e de autosatisfação fugaz. Temo-nos alimentado na feira de brinquedos que, com cores e efeitos mágicos, vão preenchendo momentos do quotidiano adormecido sem, contudo, darem sentido à vida no seu global.
Nesta mesma gula se embrenham os adultos em seguir ditames de publicidades, numa obsessiva perseguição de modelos gastos e escravizantes.
É esta a hora de mudança. Importa parar e flectir num sentido humanista, deixando cair a máscara narcísica que nos cega.
Para alcançarmos este objectivo, exige-se o encontro com o outro que se senta a nosso lado, que está disponível para partilhar as nossas angústias, alegrias, raivas e tristezas. É urgente trazer para o centro do nosso mundo o humanismo, o calor do abraço, o sabor do beijo, a carícia da palavra e tudo numa gratuitidade de troca.
Mas esta caminhada não é peregrina nem solitária. Ainda agora, milhões de americanos falaram pela voz de Obama, que no seu discurso de vitória disse o evidente: «façamos um pedido a um novo espírito […] de responsabilidade, em que cada um se ajuda e trabalha mais e se preocupa não só com si próprio, mas um com o outro […] não somos inimigos, mas amigos. Embora as paixões nos tenham colocado sob tensão, não devem romper os nossos laços de afecto». Quero ainda sublinhar a conclusão do seu discurso, quando sublinha: «E quando nos encontrarmos com o cepticismo e as dúvidas e com aqueles que nos dizem que não podemos, responderemos com esta crença eterna que resume o espírito de um povo: Yes, we can».
Nada desta consciência humanista é nova. Na mesma comunhão, relembro o discurso de Charlie Chaplin no seu filme O grande Ditador, de 1940, que já alertava, com mais veemência, para os mesmos vícios e defeitos do homem moderno: «pensamos demais e sentimos muito pouco [...] mais do que de máquinas precisamos de humanidade».
Quero, portanto, reafirmar um Natal tradicional. Para os que se reforçam na fé, será um renovar de laços e reavivar a esperança no nascimento de uma criança, acrescida do seu carácter regenerador e salvador. Já os que não crêem podem sempre deixar-se seduzir pela narrativa e viver o conto numa representação conjunta com os mais novos, deliciando-se a bincar no faz de conta durante a construção do presépio.
A todos um bom Natal.

Da Matemática, com Ron Aharoni, Professor universitário

Segunda-feira, 17 de Novembro de 2008

Ron Aharoni é professor universitário ligado à Matemática. O problema do ensino desta disciplina levou-o a optar por leccioná-la a alunos do 1º ciclo a fim de chegar a algumas conclusões. Passou por Portugal a propósito de um colóquio que a Fundação Gulbenkian está a promover sobre o ensino da Matemática. O Público entrevistou-o e na conversa há verdades que deveriam saltar para a vida…
O QUE É A MATEMÁTICA – «(..) Antes de mais, é preciso perceber que a Matemática é sobre coisas concretas e que a abstracção vem depois. Outro segredo importante é que a Matemática deve ser aprendida por etapas e nenhuma deve ser deixada para trás, porque se isso acontecer não vamos conseguir compreender o que se segue. (…)»
MANUAIS ESCOLARES - «(…) O principal caminho para ensinar os professores é através dos bons manuais escolares. Os manuais que existem vão na direcção errada, porque promovem actividades divertidas e a aprendizagem fica perdida. O problema é que os livros saltam etapas ou seguem teorias modernas. O que é preciso é que os manuais reflictam a Matemática, a sua essência, o que é e não teorias. (…)»
DIVERTIR OU COMPREENDER - «(…) as crianças não precisam de estar divertidas, elas precisam de compreender e só se o fizerem é que aprendem a gostar. A Matemática não tem que ser divertida, mas compreendida. (…)»
TABUADA - «(…) Se cada vez que queremos escrever uma carta tivermos que pensar como é que se juntam as letras... Para a Matemática o raciocínio é o mesmo: é preciso ter automatismos e a tabuada é essencial. Os pais podem ajudar os filhos a aprender, por exemplo, a dizê-la de trás para a frente. (…)»
EXACTIDÃO NAS FORMULAÇÕES - «(…) Outra coisa muito importante e que sempre ensinei aos meus três filhos é: ser preciso nas formulações, dizer correcta e claramente o que se quer dizer, nunca deixar os outros adivinharem o que se quer dizer, mas usar as palavras certas. (…)»
CALCULADORAS - «(…) Calculadoras? Atirem-nas para o lixo! Houve revoluções terríveis na escola e essa foi uma delas. Fazer cálculos é muito importante e não é uma coisa estúpida ou inútil, e que, por isso, se deve recorrer à máquina. Fazer cálculos significa compreender o sistema decimal. Usar uma calculadora na aula de Matemática é como pôr os alunos a conduzir automóveis em vez de correrem na aula de Educação Física. Quando pergunto a um aluno quanto é 10+10 e responde, mas precisa da calculadora para saber quanto é 10+11, então, ele não compreendeu qualquer coisa quando aprendeu, que precisa de saber e não é com o recurso à máquina que aprende. (…)»
PROFESSORES E COMPUTADORES - «(…) Sabemos que o cérebro das crianças é completamente diferente e que trabalha muito rapidamente. Se elas podem aprender com o computador? Todas as tentativas feitas até hoje nesse sentido falharam. Não sei se porque as crianças preferem brincar no computador do que trabalhar... Penso que no 1.º ciclo o contacto com o professor é o mais importante. (…)»

A(s) turma(s)

09.11.2008, Daniel Sampaio
O que mais impressiona no filme A Turma, de Laurent Cantet, é o impasse a que chegou a escola dos nossos dias. Dar aulas no básico ou secundário é hoje um permanente desafio que só é resolvido (em parte) por professores com muito amor ao que fazem e com a sorte de trabalhar em escolas que ousam inovar todos os dias.A Turma mostra-nos como a improvisação constante é a única maneira de sobreviver ao caos, embora também nos faça pensar como é cada vez mais importante planificar. Nada de contraditório: é preciso planificar em termos de conjunto - a turma que o professor vai encontrar no dia seguinte - mas o mestre tem de estar disponível para responder de imediato à retroacção trazida pelos alunos em todos os momentos da aula. Por isso, o professor do filme decerto prepara as suas lições, mas tem de ter resposta pronta e improvisar: nunca o vemos calado ou a evitar as questões e a sua relação muito viva com os estudantes permite, apesar de todas as dificuldades, manter a classe a funcionar. Improvisar é isso mesmo, a demonstração permanente da capacidade de modificar planos e actividades em resposta às reacções dos alunos, mantendo-os despertos e participativos.
A heterogeneidade da turma do filme parece ser fonte de inspiração para o docente, que consegue com mais ou menos sucesso relacionar-se com todos, na procura constante de soluções para uma das tarefas fundamentais da escola de hoje: a da inclusão. O professor Bégaudeau mostra como a preocupação em incluir é a única forma de percorrer na escola um caminho de dignidade, porque por certo já chegou à conclusão de que todos os alunos têm capacidade de contribuir para a respectiva aprendizagem. E também se evidencia no filme como é imperioso trabalhar na sala de aula com formas diferentes das tradicionais: já imaginaram o que sucederia naquela turma se o professor falasse sem parar durante 90 minutos, apontando com o dedo uma transparência iluminada pelo velho retroprojector, como vemos ainda em tantas das nossas aulas? Nalgumas discussões sobre A Turma promovidas pela imprensa portuguesa, impressiona verificar como estudantes, pais e professores se apressam a dizer que por cá as coisas estão melhor, porque jamais se perguntaria se um professor é homossexual; muitos dizem que em Portugal não há tantos jovens na escola com origens diferentes, nem se poderia encontrar um professor "ao nível" dos alunos, como nas discussões patentes no filme. Quem assim fala desconhece as dificuldades dos nossos professores, ignora as turmas com estudantes de nacionalidades diferentes que mal falam português, ou faz de conta perante os inúmeros problemas sociais e familiares que muitos alunos trazem para a sala de aula. Pior: acredita que a autoridade do professor se pode construir "de cima para baixo", porque é imanente à própria condição docente. Grande equívoco: o que este filme exemplarmente demonstra é que o professor se coloca num nível diferente, porque usa o diálogo, a ironia e a provocação da gente nova como um meio de relacionamento, sem esquecer que o respeito recíproco é um dos ingredientes essenciais para ser ouvido. E neste sentido ele está noutro nível (se quisermos num nível meta, de metacomunicar, isto é, está sempre a comunicar sobre a comunicação dos jovens), o que lhe permite encontrar soluções, mesmo se para isso tiver de errar e corrigir os erros.O impasse da escola actual resulta de se encontrar esgotado o modelo tradicional de ensinar, organizado para instruir o aluno médio e com razoável motivação. Muitos dos estudantes das nossas salas de aula estão lá por obrigação ou porque não encontram nada melhor para fazer: por isso o único caminho terá de ser o de promover uma análise detalhada dos componentes curriculares, de modo a definir o que deve ser comum a todos e quais os elementos que necessitam ser modificados para responder às necessidades dos alunos com mais problemas, num ambiente de trabalho exigente e cooperativo, onde a autoridade do professor (que jamais poderá ser posta em causa) se construa na relação (como no filme).Alguns espectadores portugueses ficam chocados quando os alunos relatam, no final do ano lectivo, o pouco que aprenderam: não é esta a grande questão, por certo mais importante do que a avaliação dos docentes que paralisa as nossas escolas? A

Como avaliar?


Não se pode formar e ensinar todos os jovens para depois limitar a apenas alguns o acesso à excelência .



Quando interrogado pelos meus alunos sobre as razões dos protestos dos professores, expliquei:
eu vou ser avaliado pelo Conselho executivo; por um colega meu, pelas avaliações que farei aos alunos, pela confrontação dessas notas com as notas que esses alunos conseguirem nos exames...
Aí, eles protestaram: - Eh professor, tanta gente, tanta coisa!
Porém, insisti: - Imaginem que aqui, na turma, há dez alunos com avaliação de 5, mas que eu só posso dar dois níveis 5.
Bom, nesse momento, uns riram-se porque achavam que eu estava a brincar e a gozar com eles, outros protestaram fortemente porque acharam injusto que alguém pudesse, em algum momento, fazer isso.














O ABSURDO OU O DIÁLOGO DOS POSSÍVEIS EM GUIMARÃES ROSA E MIA COUTO

O ABSURDO OU O DIÁLOGO DOS POSSÍVEIS EM GUIMARÃES ROSA E MIA COUTO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM LITERATURAS LUSÓFONAS COMPARADAS

Sumário
Constitui objectivo do presente trabalho apreender as manifestações do absurdo plasmadas na ficção de João Guimarães Rosa e Mia Couto, procurando fixar semelhanças e diferenças das mesmas figurações.
Assim, no primeiro capítulo, procurámos pôr em evidência a ruptura literária de cada escritor contextualizado no universo literário do seu país.
No segundo capítulo, procurámos identificar intertextualidades sob um enquadramento comparatista, aproximando campos temáticos no universo da lusofonia.
Em seguida, no capítulo terceiro, procedemos a uma reflexão dedicada ao conceito do absurdo, sob o prisma da filosofia.
Por fim, no quarto capítulo, analisámos o horizonte textual, procurando fazer o levantamento dos elementos que nos permitissem chegar às figurações do absurdo.
Nas conclusões, procurámos sistematizar as ideias mais importantes que aproximam e diferenciam os escritores em causa face ao tema do absurdo.

Abstract
The main object of this work is to study the revelation of the absurd in João Guimarães Rosa and Mia Couto’s fiction, by trying to fix similarities and contrasts within both moments of creation.
Thus, in the first chapter we tried to enhance the literary rupture of both writers, each of them contextualized in his country literary universe.
In the second chapter we tried to identify crossing textual features under a comparative framing, approaching common themes within the Luso-Brazilian universe.
Later in the third chapter we made a reflection about the concept of the absurd from the philosophic point of view.
Finally, in the fourth chapter, we proceeded to the analysis of textual horizon, making a survey on the elements that could help us reach the absurd in both writers’ work.
In the conclusion chapter we systematized the ideas that most bind or deviate from these writers’ own path in what concerns the absurd.

Inhaltsangabe

Das hauptsächlichste Objekt dieser Arbeit ist die Enthüllung des Unsinns in João Guimarães Rosa und Mia Couto’s Fiktion zu studieren. Dafür werden wir die Ähnlichkeiten und die Verschiedenheiten dieser Literaturwerken versuchen zu befestigen.

Daher, am ersten Kapitel haben wir das literarische Bruch jeder Schriftsteller innerhalb der literarischer Welt ihres Landes im Offenkundigkeiten versucht zu stellen.

Am zweiten Kapitel haben wir die Kreuzung der Ansichten der Texten unter einem vergleichenden Rahmen und gleichzeitig allgemeine Themen innerhalb des portuguiesischen-brasilianischen Weltall annähern versucht zu identifizieren.

Später, am dritten Kapitel haben wir eine Reflexion über dem Begriff des Unsinns unter einem philosophischen Prisma gemacht.

Zuletzt, am vierten Kapitel haben wir den Horizont der Texten analysiert und die Aufstellung der Elementen die uns helfen würden das Unsinn beider Schriftstellern studiert.

Am Abschluss Kapitel haben wir die Ideen dieser Schriftstellern die ihnen mehr oder weniger annähern und unterscheiden hinsichtlich dieses Thema des Unsinns systematisch dargestellt.

Crónica de Manuel António Pina, Jornal de Notícias

Uma dupla obrigação obriga-me a colocar aqui esta opinião, a de pai, mas sobretudo a de professor.



Quem pode, foge. Muitos sujeitam-se a perder 40% do vencimento. Fogem para a liberdade. Deixam para trás a loucura e o inferno em que se transformaram as escolas. Em algumas escolas, os conselhos executivos ficaram reduzidos a uma pessoa. Há escolas em que se reformaram antecipadamente o PCE e o vice-presidente. Outras em que já não há docentes para leccionar nos CEFs. Nos grupos de recrutamento de Educação Tecnológica, a debandada tem sido geral, havendo já enormes dificuldades em conseguir substitutos nas cíclicas. O mesmo acontece com o grupo de recrutamento de Contabilidade e Economia. Há centenas de professores de Contabilidade e de Economia que optaram por reformas antecipadas, com penalizações de 40% porque preferem ir trabalhar como profissionais liberais ou em empresas de consultadoria. Só não sai quem não pode. Ou porque não consegue suportar os cortes no vencimento ou porque não tem a idade mínima exigida. Conheço pessoalmente dois professores do ensino secundário, com doutoramento, que optaram pela reforma antecipada com penalizações de 30% e 35%. Um deles, com 53 anos de idade e 33 anos de serviço, no 10º escalão, saiu com uma reforma de 1500 euros. O outro, com 58 anos de idade e 35 anos de serviço saiu com 1900 euros. E por que razão saíram? Não aguentam mais a humilhação de serem avaliados por colegas mais novos e com menos habilitações académicas. Não aguentam a quantidade de papelada, reuniões e burocracia. Não conseguem dispor de tempo para ensinar. Fogem porque não aceitam o novo paradigma de escola e professor e não aceitam ser prestadores de cuidados sociais e funcionários administrativos. 'Se não ficasse na história da educação em Portugal como autora do lamentável 'pastiche' de Woody Allen 'Para acabar de vez com o ensino', a actual ministra teria lugar garantido aí e no Guinness por ter causado a maior debandada de que há memória de professores das escolas portuguesas. Segundo o JN de ontem, centenas de professores estão a pedir todos os meses a passagem à reforma, mesmo com enormes penalizações salariais, e esse número tem vindo a mais que duplicar de ano para ano.
Os professores falam de 'desmotivação', de 'frustração', de 'saturação', de 'desconsideração cada vez maior relativamente à profissão', de 'se sentirem a mais' em escolas de cujo léxico desapareceram, como do próprio Estatuto da Carreira Docente, palavras como ensinar e aprender. Algo, convenhamos, um pouco diferente da 'escola de sucesso', do 'passa agora de ano e paga depois', dos milagres estatísticos e dos passarinhos a chilrear sobre que discorrem a ministra e os secretários de Estado sr. Feliz e sr. Contente. Que futuro é possível esperar de uma escola (e de um país) onde os professores se sentem a mais?'
Manuel António Pina

Que futuro para a educação?

Confusos e agitados andam estes tempos. Neste momento, interrogo-me para onde caminha a educação e como percorre ela esse caminho.
Na semana passada, o Diário de Notícias contribuiu com alguma luz ao transcrever a entrevista do nosso primeiro ministro, completando no dossier da educação com um estudo sobre os gastos do governo tanto na escola pública, do ensino básico ao superior, como com os custos dos cursos de formação das novas oportunidades.
Ao confrontar algumas afirmações, não me restaram dúvidas de que a escolaridade obrigatória até ao 12º ano entrará em vigor após as eleições de 2009. Este grande objectivo impõe-se inexoravelmente e, na minha óptica, concordo plenamente. Na verdade, a escola deve procurar a inclusão de todos os jovens e proporcionar-lhes uma matriz educativa que lhes proporcione um conjunto de ferramentas para a sua vida adulta.
Já a celeridade com que o processo avança é que, sinceramente, não me convence, despertando-me duas pequenas notas de apontamento. Senão vejamos.
Primeiro, o primado do economicismo, que norteia quem governa, é asfixiante. Segundo o estudo, um aluno, que frequente os cursos das novas oportunidades, custa três vezes mais do que um aluno universitário. Daqui compreendo a lisura com que se atribuem equivalências e diplomas, a fim de fugir à estatísticas negras que fomos acumulando ao longo de muitos anos. De processos pouco sérios, já Almeida Garrett se lamentava ironicamente: «foge cão que te fazem barão».
Segundo, o processo kafquiano de avaliação que recai sobre os professores, condicionando a sua progressão na carreira com o sucesso de avalição que ele faz dos seus alunos, força à progressão de todos os alunos, ao mesmo tempo que limita ao mínimo os gastos com os incentivos aos professores. É o tempo dos Chicos espertos, ou seja, «matar dois coelhos de uma cajadada»
Torna-se evidente que o governo quer rapidamente diplomar os que ultrapassaram a idade para frequentar a escola. Mas o que se adivinha e me preocupa é a obsessão do ministério em normalizar todos os alunos e em encerrá-los nas escolas, sem que estas estejam preparadas para alunos que rejeitam a instituição escola, não aceitam normas e cultivam atitudes anti-sociais. Já para não falar nos que vêm referenciados com cadastro criminal, não esquecendo também os alunos que, não sabendo qualquer palavra portuguesa, são integrados sem critério algum em niveis de escolaridade desajustados.
É esta precipitação de sucesso por decreto e por coacção que não deixa antever nada de bom para as escolas e muito menos para os professores. A violência é uma das imediatas consequências que se impõe deste caminhar por atalhos. Todavia, outro fenómeno precoce se verifica, é que muitos professores colocados nas cíclicas e que já possuem experiência de ensino abandonam a educação delapidando o futuro próximo de entrada de novos docentes.

A voz às mulheres e homens do futuro

Aqui fica a minha congratulação pelo civismo, organização e dinâmica que os alunos da minha escola revelaram na sua inequívoca tomada de posição sobre a violência.

Registos noticiosos:


Alunos fecham escola em protesto contra insegurança
Os alunos de uma escola na Amadora fecharam as portas a cadeado em protesto contra a falta de segurança. O conselho executivo garante não ter registos de violência, mas os pais falam num esfaqueamento recente.
SIC

29 Outubro 2008 - 00h30 Correio da Manhã
Educação: Escola Secundária Mães d’Água na Falagueira, Amadora
Alunos em greve contra a violência
Os alunos da Escola Secundária Mães D’água, na Falagueira, Amadora, fizeram ontem greve às aulas, em protesto contra casos de violência que se vêm sucedendo, exigindo reforço de policiamento e mais funcionários. A gota-d’água foi o esfaqueamento de um aluno à porta da escola há uma semana.
Todos responsabilizam moradores da Quinta da Laje e Casal do Silva, dois bairros junto à escola. "São gangs que actuam fora e dentro da escola." E dizem que a polícia nunca aparece. A presidente da Comissão Provisória, Maria João Ferreira, diz que a escola passou de 700 para 935 alunos, mas os funcionários são os mesmos 19. "Já pedimos ao Ministério da Educação mais oito", disse ao CM, frisando, porém, que "não há um problema grave de indisciplina".
Já o professor Jorge Martins diz que a presidente é "incompetente" e que se vive "um clima de impunidade". Manuel Afilhado, presidente da Junta da Falagueira, alerta: "O epicentro do crime passou da Cova da Moura para a Falagueira." O director Regional de Educação de Lisboa, José Leitão, disse ao CM que a escola será reforçada com "cinco tarefeiros".

Correio da Manhã


Reportagem da RTP a emitir hoje dia 30 de Outubro de 2008
http://ww1.rtp.pt/noticias/index.php?headline=98&visual=25&article=370384&tema=1&pagina=&palavra=&ver=1


Flashes do protesto













Público

Alunos de escola da Amadora em greve contra insegurança
29.10.2008, Catarina Gomes
A maioria dos alunos da Escola Secundária Mães d'Água, na Amadora, fez ontem greve às aulas para protestar contra a violência e insegurança sentidas no interior e exterior da escola desde o início do ano lectivo. O protesto vem na sequência do esfaqueamento de um aluno do 9.º ano, na semana passada, à entrada do estabelecimento de ensino. Joana Filipa, uma aluna da escola, afirma que a violência e os assaltos, sobretudo para roubar telemóveis e dinheiro, são frequentes. Foi enviado na segunda-feira um abaixo-assinado, com 400 assinaturas de alunos, à Direcção Regional de Educação de Lisboa; a petição exige o aumento do número de funcionários e de policiamento, contando o caso do aluno que foi agredido com uma faca junto ao portão da escola, "tendo sido hospitalizado e intervencionado a um pulmão perfurado".
O documento refere também "variados casos de violência por parte de alunos pertencentes à comunidade escolar e, ainda, por outros intervenientes da comunidade envolvente", dando o exemplo de alunos que "são obrigados a comer relva ou a despir--se": "Os poucos funcionários do estabelecimento de ensino não conse-guem dar resposta a tantas solicitações permanentes, nem controlar actos de tamanha violência". A presidente da comissão instaladora do Agrupamento de Escolas Mães d'Água, Maria João Ferreira, confirma que a maioria dos alunos fez greve na parte da manhã: "Os que não entenderam ir às aulas tiveram faltas". Referindo-se ao aluno de 15 anos a quem foi espetada uma faca nas costas, esclarece que está em repouso em casa, depois do internamento, e voltará com apoio da psicóloga da escola. O incidente aconteceu "entre o portão e o carro da mãe, à hora do almoço", esclareceu. Maria João Ferreira diz que se tratou "de uma situação excepcional" e que a polícia já terá identificado o suspeito, mas nota que "o ambiente da escola é difícil", pois encontra-se próximo "de dois bairros problemáticos", um deles associado ao tráfico de droga. A responsável acrescenta que não há policiamento à porta, mas "dois agentes da Escola Segura vêm cá sempre que é solicitado". O que houver mais a fazer é da responsabilidade da polícia e do Ministério da Educação, frisa.

Mia Couto. Escritor moçambicano


«Os jovens vivem obcecados com o escrever bem e bonito. Muitas vezes ficam sufocados com isso. O importante é saber se há ali uma história, uma alma, coisas para dizer. Mesmo que escreva mal, com erros ortográficos, ele tem de ficar tranquilo, porque são os pormenores técnicos do assunto. O resto é que não se resolve. A escola e a família têm de estar disponíveis para isso. Não se pode matar alguém que tenha talento, simplesmente porque não o sabe fazer do ponto de vista técnico» JL 18-6-08 p.23

Por que ou porque passarei os alunos…

Não é de hoje a relação difícil com a escola, seja por parte dos pais e encarregados de educação, seja da sociedade em geral, com censuras dirigidas frequentemente aos jovens. Já em 1932, uma comissão de pais explicava que «os filhos são capazes de esforços intensos, mas curtos, são rebeldes ao esforço lento, à tenacidade, à persistência e à continuidade, são cérebros de grande elasticidade, mas sem firmeza, são vontades facilmente vencidas e tornadas inertes pela monotonia das ocupações mentais».
Reflectir sobre as seduções tentadoras a que os jovens de hoje estão expostos seria falar em evidências que todos conhecemos, portanto desnecessário. Assim, neste momento particular de avaliação e no contexto das reformas actuais do ensino, que sugerem o facilitismo impõe-se ponderar alguns pontos que entendemos importantes.
Primeiro, há que considerar que a avaliação das aprendizagens em Língua Portuguesa, pelo seu carácter distinto de disciplina, condensa as múltiplas e complexas dimensões da avaliação. Deste modo, procura ir ao encontro da natureza heterogénea do objecto de trabalho, bem como ter em atenção o estatuto transdisciplinar dos conteúdos da disciplina, as experiências linguísticas dos alunos e o próprio contexto em que se desenvolve o processo de ensino/aprendizagem. A tudo isto acresce a representação social da disciplina como um lugar privilegiado de aquisição e desenvolvimento de competências literácitas, entenda-se compreensão e expressão da Língua Portuguesa.
Noutra perspectiva de abordagem e situando-nos num contexto mais global, há que olhar a escola como uma extensão da realidade social, replicando-a na sua complexidade, implicando assim as consequências que decorrem de uma sociedade obcecada por objectivos subordinados a estatísticas de rentabilidade dominada por «liberalismos». Daqui resultam anacronismos que alimentam os profetas esclarecidos da opinião pública em oposição aos ideais da educação. Mas não nos iludamos, pois esta contenda já António Sérgio a sublinhava: «A escola exprime a sociedade, dá o que lhe pedem: e ninguém lhe pede educação, mas diplomas». Há que ter cuidado com as aparências e não nos deixarmos cair no simplório: «a 4ª classe de antigamente é que era boa».
A nossa convicção coloca-se exactamente no oposto. É melhor um aluno possuir o 12º ano, mesmo com dificuldades, do que ostentar um excepcional 9º ano. As razões tornam-se óbvias quando comparamos os universos de conteúdos e culturais que diferenciam estes dois níveis. Por certo, um jovem, que experimentou o 12º ano, terá mais recursos e ferramentas para encarar a sua maioridade e sentir-se mais capaz de se realizar como adulto.