Não é
segredo que a maioria das plataformas e aplicativos de mídia social foram
intencionalmente projetados para prender a atenção dos usuários o máximo de
tempo possível. O objetivo dessas ferramentas é, entre outras
coisas, explorar elementos como o preconceito e as vulnerabilidades
psicológicas típicas da juventude.
Muitas delas
estão intrinsecamente relacionadas ao desejo de auto-afirmação e, quase sempre,
ao medo de rejeição. Por isso, o uso muito passivo dos aplicativos de mídias
sociais — navegação pelas postagens alheias — geralmente está
relacionado a sentimentos negativos como inveja, rancor e insatisfação com
a vida.
Há uma clara
relação entre o uso excessivo de redes sociais, jogos violentos e
aplicativos de filmes e séries com o surgimento de sintomas de depressão,
ansiedade patológica, isolamento social e privação de sono. Na
juventude, o excesso de tecnologia faz com que o indivíduo passe a maior parte
do tempo interagindo virtualmente, o que afeta o desenvolvimento e faz
perder outras experiências sociais importantes.
Nesse
universo virtual, há, ainda, outra problemática que não pode ser
desconsiderada: a forma como as mídias sociais dominam a mente e influenciam o
comportamento de adolescentes e jovens. Como esse grupo ainda está em fase de
desenvolvimento, a menor capacidade crítica aumenta a vulnerabilidade a essas
influências. Por conseguinte, muitos jovens acabam substituindo a vida social
pela vida online com muita naturalidade. Para eles, isso é algo comum, já que
cresceram na era Hi-tech. Igualmente preocupante é o vício em jogos
eletrônicos, problema que afeta consideravelmente a vida de muitos jovens
internautas.
A situação é
tão preocupante que, no ano passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS)
incluiu o vício em jogos eletrônicos na classificação das doenças
mentais. Além disso, o problema foi comparado aos casos de dependência
química, já que as consequências mentais e físicas são bem semelhantes aos
efeitos que as drogas ilícitas causam no organismo de um jovem.
A gaming
disorder, que em português significa vício em jogos, é uma doença que
provoca a falta de controle que leva a perda de liberdade, já que o
indivíduo não joga apenas porque quer, mas por que ele se sente coagido a
jogar. Ainda que ele tenha consciência das consequências ruins que isso causa à
vida familiar, pessoal, escolar, social e profissional.
Listamos
algumas das consequências mais prejudiciais à saúde relacionadas ao excesso do
uso de tecnologia na vida dos adolescentes e jovens.
Aumento da
solidão
A felicidade
momentânea desencadeada por um ‘like’ pode aliviar temporariamente os
sentimentos de solidão. Entretanto, esse tipo de “aprovação virtual” nem sempre
supre os anseios mais profundos e, com isso, acaba aumentando a solidão e os
sentimentos de frustração e angústia.
Ainda que
pareça satisfatória, essa interação virtual não pode substituir a socialização
por completo. A maioria dos adolescentes e jovens que se sentem “offline”
em relação à vida se valem das mídias sociais para tentar neutralizar a dor e
compensar o vazio emocional ou habilidades sociais menos desenvolvidas.
Porém, essa vertente comportamental acaba gerando um ciclo vicioso, visto que
pode exacerbar a solidão e resultar em graves prejuízos à saúde mental.
Exposição ao
cyberbullying
As inseguranças
resultantes das questões emocionais são facilmente percebidas pelos colegas
durante a interação nas mídias sociais. Por conseguinte, os mal intencionados
podem, apenas por diversão, disseminar palavras, emojis e imagens violentas ou
até mesmo ofensas para humilhar quem está do outro lado da tela.
Esse tipo de
“violência digital” direcionado às vítimas de cyberbullying influencia bastante
o estado psicológico do jovem mais vulnerável. Na juventude, a
sensibilidade e as emoções estão à flor da pele, o que aumenta a
probabilidade de se sentir ofendido com mais facilidade. Nos casos mais
extremos, esses ataques recorrentes de cyberbullying podem até mesmo levar
à automutilação ou à decisão pelo suicídio.
Redução da
autoestima
Os jovens
mais habituados à interação virtual tendem a desenvolver maior insegurança em
relação à aparência física, principalmente quanto à visão do próprio corpo.
Essa questão torna-se ainda mais complexa devido à associação com distúrbios
alimentares. A baixa autoestima e os sentimentos negativos contribuem para o
surgimento de alguns distúrbios como a bulimia, condição que pode
resultar em graves danos ao organismo.
Sentimentos
de depressão
Amplamente
divulgado pela mídia, um estudo feito com 10 mil jovens canadianos com idade entre
12 e 14 anos revelou que quem passa mais de cinco horas por dia em redes
sociais tem mais de 50% de chance de sofrer de depressão.
Para os
jovens, a constante exposição às imagens que sugerem vidas
perfeitas — ou rostos com aquela beleza fenomenal — já é
suficiente para reduzir a autoestima e levar ao sentimento de inferioridade.
Ainda que a maioria das postagens sejam apenas ostentação e cada detalhe das
fotos elaborado no photoshop, a falta de maturidade emocional contribui para
uma credibilidade passiva e para o aumento das crises depressivas.
O impacto
das séries e filmes no comportamento dos jovens
Um estudo
publicado na Revista de Psiquiatria da UNIFESP destacou que, entre o ano
de 2000 a 2016, o percentual de suicídio entre adolescentes aumentou
24%. Esses dados colocam o suicídio entre as principais causas de morte
entre adolescentes no Brasil. O mesmo estudo confirma a relação do uso de
tecnologia em excesso com a depressão e as idealizações suicidas.
Para
analisar melhor o impacto das séries e filmes na saúde mental dos jovens
brasileiros, um grupo de pesquisadores realizou um estudo envolvendo 21.062
adolescentes. O objetivo era entender as influências da série Reasons Why sobre
o comportamento dos participantes.. Além do aumento dos casos de suicídio entre
jovens no Brasil, o que motivou esse estudo foi a polémica gerada em torno
da provável influência da série da Netflix sobre o crescimento do suicídio
entre os jovens americanos.
Na avaliação
feita junto dos adolescentes brasileiros e americanos com idade entre 12 e 19
anos, eles responderam um questionário sobre idealização suicida antes e após
ter assistido a série 13 Reasons Why. Segundo os resultados, entre o
grupo de entrevistados sem sintomas de depressão, 4,7% responderam que,
após a série, pensaram mais em tirar a própria vida. No grupo com histórico de
depressão e com tentativas anteriores de suicídio, o índice foi
surpreendentemente maior: 21, 6% dos participantes tiveram mais pensamentos suicidas
após os episódios de 13 Reasons Why.
Nos Estados
Unidos, um mês após a estreia da série da Netflix, um estudo concluiu
que o seriado está relacionado com o crescimento de 28, 9% nas taxas de
suicídios de jovens naquele país.
Muitos pais
ficam bastante preocupados com o modo como a exposição à tecnologia pode
comprometer o desenvolvimento dos filhos. Entretanto, a adolescência é uma
etapa marcada por um desenvolvimento peculiar, e que pode resultar em mudanças
bruscas de comportamento. Por isso, é preciso ter habilidade para lidar com
certas situações e, conforme a necessidade, encaminhar o jovem para o
tratamento mais adequado.
A depressão
e a ideação suicida
A ideação
suicida é caracterizada por comportamentos relacionamentos ao suicídio.
Geralmente, o indivíduo com esse perfil costuma falar em suicídio com muita
frequência. Além da fala, alguns consideram que a morte pode ser a única
solução para os problemas que estão enfrentando e, por isso, são defensores
dessa ideia.
No
entanto, a depressão é um dos múltiplos fatores que influenciam
negativamente o estado mental de um jovem ou adolescente. Quanto maior a
exposição aos fatores de risco, mais determinantes serão os impactos na saúde
mental desse grupo. Nessas circunstâncias, é importante ter atenção
aos sintomas que indicam depressão nos jovens. Os mais comuns são os
pensamentos negativos, tristeza profunda, perda de interesse pela vida,
propensão ao uso de drogas, aumento ou diminuição de apetite,
irritabilidade, agressividade e isolamento social.
Segundo
informações da Organização Mundial de Saúde (OMS), há alguns fatores com maior
potencial de desenvolver a depressão na juventude. Entre eles os mais
relevantes são o desejo de liberdade ou de maior autonomia, pressão familiar,
questões de gênero e o uso desequilibrado de tecnologias.
A depressão
é considerada um distúrbio de natureza psiquiátrica resultante de uma alteração
cerebral que provoca mudanças de humor e irritabilidade no comportamento.
Devido à associação da depressão com outros danos à saúde, ela é classificada
como uma doença crônica e bastante complexa. Há uma relação muito próxima
entre a depressão e o suicídio: segundo a OMS, a cada três segundos alguém
atenta contra a própria vida, e a cada quarenta segundos, um suicídio é
concretizado.
A
importância de buscar ajuda
Segundo uma
pesquisa da Associação Pan Americana da Saúde (OPAS), 50% dos problemas
relacionados à saúde mental iniciam em torno dos 14 anos de idade. Entre
outras razões, a prevalência da depressão em indivíduos jovens resulta do fato
de a doença não ser corretamente tratada.
Destacamos
alguns sinais que indicam a necessidade de buscar ajuda profissional para
conter os reflexos negativos da depressão sobre a qualidade de vida dos
adolescentes e jovens:
frequentes
alterações de humor: o jovem está de sentindo muito bem e, de repente,
demonstra tristeza e raiva, aparentemente sem motivo algum;
expressão de
tristeza ou de sofrimento intenso: hábito de ficar relembrando
experiências ruins do passado e demonstrar muita tristeza por isso;
obsessão por
problemas: a pessoa se apega aos problemas, por isso, não consegue
visualizar uma solução para enfrentar o que a incomoda;
insinuações
verbais: comportamento excessivamente depressivo e falta de expectativa
quanto ao futuro;
consumo
abusivo de álcool e de drogas ilícitas: a maioria dos suicidas são indivíduos
que têm o hábito do uso abusivo de álcool, drogas e remédios;
isolamento
social: evita o contato com familiares e amigos e se afasta por completo de
atividades sociais.
Nos casos de
depressão grave, a internação pode ser uma boa alternativa. Essa medida está
reservada para as situações em que o paciente se encontra num nível muito
avançado da doença. Um dos sintomas mais claros é a perda de sua capacidade de
autodeterminação ou a dificuldade de resolver os problemas comuns do
cotidiano.
Outro sinal
sugestivo de internação é quando o jovem perde o julgamento de valor e
passa a ser uma ameaça para si mesmo e para quem integra o seu ciclo social. A
maior preocupação associada a esse quadro de perturbação mental é o risco de
evoluir para comportamentos suicidas ou até mesmo para a finalização
do ato.
Por razões
culturais, o suicídio ainda carrega um estigma negativo e que impede as pessoas
de falar sobre o tema. Por isso, em nossa sociedade, muitos ainda ficam
inseguros na hora de abordar assuntos relacionados ao suicídio.
Conclusão
Ainda que o
uso de tecnologias represente benefícios, é preciso atenção e cuidados
especiais para ajudar os jovens e adolescentes a superar os impactos negativos
desse problema sobre a saúde mental e física. (Estudo da OCDE, 2019)