28 Março 2010 - 00h00
Grande Entrevista: José Gil Correio da Manhã
PERFIL
José Gil, 71 anos, nasceu
Fez parte das elites intelectuais em frança nos anos 50, 60 e 70. Hoje, com 71 anos, o filósofo que acabou de dar a sua última aula na universidade analisa: “os portugueses não se interrogam muito sobre qualquer que seja o acontecimento da sua vida”.
PERFIL
José Gil, 71 anos, nasceu
Fez parte das elites intelectuais em frança nos anos 50, 60 e 70. Hoje, com 71 anos, o filósofo que acabou de dar a sua última aula na universidade analisa: “os portugueses não se interrogam muito sobre qualquer que seja o acontecimento da sua vida”.
- Nesta fase da sua vida, sente que o País precise de si como filósofo?
- Não, porque o País não precisa de um personagem qualquer salvador. Eu não faço a união, há muita gente que pensa contra mim e que não suporta o que eu digo.
- Disse na sua última aula que "as pessoas pensam sozinhas". Por que é que os portugueses pouco questionam as grandes decisões do Governo?
- Os portugueses não se interrogam muito sobre qualquer que seja o acontecimento da sua vida, da vida social, da política.
- Somos um povo inteligente?
- Com certeza. Temos é uma infelicidade, por razões sociais: Substituímos a nossa inteligência – como povo que produz génios, intelectuais, cientistas – pela esperteza. Pior: Pela esperteza saloia.
- Nota isso na nossa governação?
- Absolutamente. Há qualquer coisa mesmo do espertismo saloio no próprio discurso político
- Falta memória aos portugueses?
- Falta. E falta talvez por um apego que os portugueses têm a um presente, que vale por si. Não estamos a pensar no passado, como nas sociedades rurais que estão a desaparecer. E como nas sociedades modernas – que ainda não somos – não estamos a pensar sempre no futuro.
- Teme pelo futuro?
- Só um tonto não teme pelo futuro. Os nossos dirigentes temem. Nós vivemos num clima ameaçador. De quê? De que realmente aconteça a catástrofe que é a perda do adquirido na qualidade de vida, nas expectativas, em tudo.
[...]
- Disse que o auditório que assistiu à sua última aula estava a abarrotar por causa da "falta de acontecimentos" no País. Não acha que sejamos um povo de filosofar?
- Não se filosofa por razões interiores, é por acontecimentos externos a nós que nos abanam, que nos violentam o pensamento, e somos obrigados a pensar. Não temos muitos filósofos talvez porque há uma pregnância extrema da religião e talvez da poesia, que pretendem dar respostas àquilo que os filósofos se interrogam.
[…]
- Muito bem. Orgulha-se de ter pertencido à classe dos professores?
- Não é bem orgulho, tenho "fierté", esse brio interior de pertencer a uma corporação em que o trabalho é para a comunidade. Ver, de repente, um aluno a abrir-se para qualquer coisa é um espectáculo extraordinário. Infelizmente não se dá a importância na sociedade aos professores.
- São maltratados?
- Foram. Há bastante tempo, mesmo antes do Governo de Sócrates e da ministra Maria de Lurdes Rodrigues ter devastado o ensino, no meu entender.
[…]
- É um homem de paixões?
- Ah, sim. Para mim a vida é fundamentalmente paixão. Quer dizer, um desencadear de energia que pode ser por exemplo a paixão pela criação. Isso abre uma liberdade.
- Está apaixonado pela vida?
- Eu não estou apaixonado pela vida. Se eu a vivesse como vivi... A vida deve ser vivida apaixonadamente.
- Por que é que fala no passado?
- Porque eu vivi um período colectivo, em França, único: Os anos 50, 60 e
- O facto de ter nascido em Moçambique influenciou o seu pensamento?
- Certamente. E das maneiras mais esquisitas, não foi propriamente só de maneira harmoniosa. Por difracções, por desfasamentos entre a língua e o Sol e a geografia. Entre os espaçamentos entre uma comunidade negra imensa e ilhotas, que eram os brancos.
- Sentia-se apartado?
- Não. Mais tarde, aos vinte e tal anos, quando pensei nisso, verifiquei que ali havia qualquer coisa que me era interdita de viver. Mas que eu não sentia como falta.
[…]
- Gosta dos seus 71 anos?
- A minha idade cronológica não corresponde a outra idade que não sei qual é, mas que é a idade de vida. Eu serei velho pela idade, mas não me sinto velho.
"A LITERATURA É UMA ACTIVIDADE QUE EM MIM É FRUSTRADA"
- Gostaria de ter seguido por uma área das Belas-artes? A sua mãe era poeta.
- Tenho três romances pequeninos publicados. A literatura é uma actividade que em mim é frustrada porque não segui por aí. Mas durante muitos anos, quando eu era novo, eu hesitava entre a filosofia e a literatura.
- Imagino que hoje já não hesita!?
- Hoje não hesito.
[…]
- Não lhe serve de balanço ter sido nomeado um dos 25 mais importantes pensadores do Mundo?
- Não me sobe à cabeça essa classificação. Eu tenho a consciência de uma certa singularidade até pelo que eu deliberadamente não faço: Quando há qualquer coisa já dita, já feita, eu não repito.
Bruno Contreiras Mateus
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