Quem são os verdadeiros parasitas do filme de Joon-ho? Os pobres que tentam sugar as vantagens e bem-estar do hospedeiro rico? Os ricos que parasitam os pobres através de um sistema capitalista injusto e opressivo?
No campo
imensamente preenchido da sátira e crítica social, é difícil encontrar uma obra
tão brilhante como “Parasitas”, que chegue como um furacão, vença todos os
prémios principais da indústria cinematográfica e se torne um sucesso global,
virando do avesso as nossas expetativas não apenas sobre cinema sul-coreano,
mas também sobre tudo o que sabemos acerca da luta de classes.
A trama reduz-se
essencialmente a uma família de origens humildes, que vive num casebre em
condições degradantes num bairro de Seoul, e a maneira singular e audaciosa
como conseguem infiltrar-se na casa de uma família rica, vestindo a pele de
tutores (os filhos), motorista (o pai) e governanta (a mãe).
O tom cómico e
satírico que o realizador Bong Joon-ho utiliza para expor os abismos sociais
entre classes não deixa margem para dúvidas. O realizador
quer que o tema do filme seja o mais óbvio possível e, por isso, ao longo de
mais de duas horas, brinca com a realidade de uma família pobre que aspira à
vida opulenta de uma família rica. Observamos as dinâmicas entre as duas
famílias com um misto de admiração e horror, a torcer para que realidade não
esmague esta fantasia tão bem delineada.
Nunca duvidamos
que os pobres são mais inteligentes, menos ingénuos, mais endurecidos por
privações na vida, mais aptos à adaptação e sobrevivência, e, se necessário, se
mostrarão implacáveis para atingirem os seus objetivos. Mas
há coisas que escapam ao seu controlo. Por mais que a família de vigaristas
tente alcançar os seus sonhos, são traídos pelo “cheiro”. Não conseguem evitar.
O “cheiro” da sua origem social está entranhado e não há sabão que o elimine,
como o filme retrata magistralmente.
É uma mensagem
cruel escondida no coração satírico de “Parasitas”. Até a
casa onde decorre grande parte da ação é um reflexo dessa estratificação
social. A bela casa onde decorre o enredo, construída por um famoso arquiteto,
funde as suas linhas harmoniosas e graciosas com a natureza envolvente, um luxo
reservado apenas para os ricos e muito ricos. Mas por trás da beleza da
superfície, esconde-se um subterrâneo cheio de segredos, mais sujo e tenebroso,
confirmando que o céu não pode existir sem o inferno, e vice-versa.
Em relação ao
título “Parasitas”, muito se tem especulado sobre o seu significado. Quem são os verdadeiros parasitas do filme? Os pobres que encontram um
hospedeiro rico ao qual tentam sugar todas as suas vantagens e bem-estar? Os
ricos que parasitam os pobres através de um sistema capitalista injusto e
opressivo? Ou poderá ser o próprio sistema social em pirâmide a ser considerado o
parasita (o título original, em coreano, pode ser lido tanto no singular
como plural) que, lentamente, destrói tudo e todos?
Uma coisa é certa. O sistema está cada vez mais concebido para impossibilitar qualquer triunfo, destruindo qualquer história positiva de superação pessoal e alargando o fosso das desigualdades. Os pobres estão condenados a transformar-se em fantasmas aprisionados nas profundezas subterrâneas, condenados ao escalão mais baixo, à espera de uma redenção que tarda em chegar. E, apesar do imenso humor que o realizador Bong Joon-ho utiliza para transmitir essa mensagem, no final, tira-nos o tapete e gela-nos o sangue. Safaa Dib, Empresária 14 Fevereiro 2020
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